“A odisseia do amor pelas principais resistências
e revoluções do Brasil.”.
| “Todos
os dias nascem deuses, alguns maiores e outros menores
do que você.”, diz Jorge Du Peixe,
o vocalista e compositor da banda recifense Nação
Zumbi, na canção ‘No
Olimpo’. Essa que está presente
nos créditos finais de ‘Uma História
de Amor e Fúria’ e sintetiza
bem todo pano de fundo mostrado no conto. Século
após século, somos surpreendidos com
novos ditos líderes que, pra fim de suas conquistas,
acabam passando por cima de tudo e todos. |
Agem como verdadeiros
reis, em nome do que é, em sua concepção,
o melhor para a sociedade. Destruindo assim os sonhos e
projetos de outros, que vão de encontro à
suas ideias. E, mesmo que estes estejam lá a mais
tempo, de nada vale.

O primeiro trabalho,
de direção, do já experiente roteirista
Luiz Bolognesi - que em parceria com a
sua esposa e diretora Laís Bodanzky,
fez ótimos títulos como Chega de Saudade
e As Melhores Coisas do Mundo -, é
nada mais que uma belíssima animação,
destinada ao público adulto, com traço e linguagem
de HQ, e que traz a odisseia de um herói imortal
e Janaína, a mulher por quem ele é apaixonado
há mais de 600 anos. Na constante busca pelo amor,
o protagonista passeia por quatro fases revolucionarias
da história do Brasil: a colonização,
a escravidão, o Regime Militar e o futuro de 2096,
quando haverá guerra pela água.
Engendrado com
técnicas de animação clássica,
onde os personagens foram delineados e animados com lápis
e papel, a partir das emoções oferecidas pela
interpretação dos atores, a fita imprime forte
realidade, chegando muitas vezes a mesclar-se com o mundo
real. Não do ponto de vista gráfico, sim estético
e narrativo. Abundantemente ousado por expor nudez e sexo,
sangue e morte, isso de forma literal. Claro, tudo operando
de forma orgânica e natural. Assim como as dublagens
de Selton Mello, Camila Pitanga,
Rodrigo Santoro e Paulo Goulart,
que atuam de forma competente e esforçada, mostrando
o grande interesse pelo projeto.

Correndo um
pouco aqui, se arrastando muito ali, a narrativa criada
por Bolognesi é satisfatória
e decisiva para o longa, mesmo que peque em alguns momentos
por não saber a hora de parar e continuar. E, sendo
sabido que o diretor fez uma longa pesquisa com profissionais
das áreas de história e antropologia para
definir quais períodos históricos brasileiros
seriam aqui mencionados, é de se entender qual ato
de fato teve um maior destaque. Talvez por preferência
particular, quiçá por maior importância
crítica e social ou até por questões
práticas de roteiro no desenvolvimento dos personagens.
É fato que a obra não se estenda, como deveria,
podendo ser mal interpretada por alguns espectadores. Por
encerrar-se subitamente e não ter uma conclusão
habitual.
A trilha sonora
composta por Rica Amabis, Tejo
Damasceno e Pupillo, ou mesmo
o desenho e mixagem de som de Alessandro Laroca,
Eduardo Virmond e Armando Torres
Jr. é um show à parte. Os sons diegéticos
que permeiam florestas, vilas e cidades são impressionantes
e fundamentais para que o espectador sinta-se dentro daquele
universo. E até na escolha de faixas, que se mesclam,
pontualmente, as passagens emocionais e temporais da película.

Não poderia
também deixar de destacar a estupenda direção
artística de Anna Caiado, que me
fez chegar a, talvez, evidente conclusão: a animação
existe, simplesmente, pela precariedade da atual indústria
nacional de cinema. Principalmente no período futurista
que me fez lembrar, pelo visual e estética,
Blade Runner. Não vejo margem nubente do
Brasil investindo e produzindo algo tão ambicioso.
Nem em 2096. Não no que se diz respeito à
arte. Imagino, e até torço, pra que um americano
de grande relevância na indústria cinematográfica
mundial, veja o filme e, reproduza isso em live action para
o mundo. O único empecilho de isso não acontecer,
é que a fita trata da nossa história, de forma
muito particular e contraditória.
Mas, não
é por acaso que todos os períodos abordados
sejam épocas de conflitos. É obvio que faz
jus a personalidade revolucionária do casal aqui
referido. Que por mais diferente que sejam as épocas,
ou que, em algum momento queiram desviar-se do caminho,
a luta nunca pode parar, pois, o passado/futuro é
agora. O amor sempre foi algo estreito à subversão,
isso é algo irrefutável. Esse romance consegue
ir além e flertar com temas extremamente complexos
e polêmicos como política, preconceito e apreciações
históricas, intencionalmente equivocadas. O último
sendo seu foco capital e estrutura fundamental de debate.
No conto é apenas enxergado o outro lado, o que foi
teoricamente derrotado. Algo que foi muitissimamente corajoso
e necessário.